As
ideias de privacidade e proteção de dados foram historicamente
construídas com foco no indivíduo e no direito de determinar como suas
informações serão disponibilizadas. Mas com o ascenso de uma sociedade
em que a coleta e tratamento de dados cresce vertiginosamente, é preciso
ampliar essa noção para que tais garantias sejam efetivamente
respeitadas.
A proposta foi apresentada pela professora de direito da Escola de Economia e Ciência Política de Londres (LSE) Orla Lynksey, em conferência no 10º Seminário de Proteção à Privacidade e aos Dados Pessoais do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.Br).
O evento é o principal encontro do país na área e reuniu, nos últimos dias 18 e 19 em São Paulo, pesquisadores, empresas, reguladores e
entidades da sociedade civil para discutir os desafios no tema.
Segundo
a professora, as leis de proteção de dados avançaram na definição de
alguns direitos dos titulares dos dados, como autodeterminação
informativa (controle pelo usuário do que será acessado por outros,
segurança (não ter informações acessadas por terceiros indevidamente),
estabelecimento de bases legais para o tratamento, a coleta para
propósitos específicos, a possibilidade de acesso pelo usuário aos
registros de posse de um controlador e a alternativa de retificação
destes.
Esses
pressupostos estão presentes em legislações como o Regulamento Geral
Europeu (GDPR, na sigla em inglês) ou na Lei Geral de Proteção de Dados
brasileira (LGPD, Lei Nº 13.709), aprovada em 2018, alterada por uma
medida provisória este ano e que entrará em vigor em agosto de 2020 após
um período de transição.
Contudo,
a ampliação das formas de tratamento e das implicações sociais destas
(impactando mercados e processos democráticos) coloca novo desafios.
Grandes plataformas, como Facebook e Google, ganharam importância que,
muitas vezes, as torna inescapáveis. Solicitam consentimento, mas o
fazem como imposição para acesso aos serviços, com os usuários aceitando
sem ler para conseguir fazer uso.
Diante do novo cenário, Lynksey
destacou a importância de novos direitos, como apagar a informação
coletada, fazer a portabilidade dos dados ou proteções relacionadas a
decisões automatizadas (como concessão de “notas” para crédito e outros
serviços e direcionamento de conteúdos como publicações e publicidade).
Ela argumentou pela necessidade de “recalibrar” a abordagem da proteção de dados. Respeitados os drieitos
dos titulares, o foco do exercício dessas garantias não deveria estar
nas pessoas, mas na responsabilidade dos controladores de respeitar as
obrigações legais.
“Princípios
de proteção de dados continuam importantes, mas estão sendo colocados
em pressão dado o crescimento de processamento de dados. Somos
enfrentados em um tsunami de dados. Não se reconhecem direitos
coletivos. Temos que olhar para além do indivíduo e adotar mecanismos
mais sistêmicos e coletivos”, defendeu.
Dados e concorrência
A
professora também destacou que, em um cenário de grandes companhias
coletando e gerindo grandes quantidades de dados, um dos impactos
fundamentais do controle dessas informações é na concorrência nesses
mercados.
O
abuso de poder de mercado pela administração de quantidades excessivas
de dados deve ser considerado na análise de fusões, recomendou a professoara,
que citou como exemplo a compra do WhatsApp pelo Facebook em 2014. Na
Europa, as autoridades concorrenciais entenderam que não haveria
problema pelo fato de as redes sociais supostamente não concorrerem
entre si.
Para Orla Lynksey,
o exame dessas aquisições deveria incluir a consideração de aspectos
relacionados a dados. “As autoridades não entenderam que o ponto chave
eram os dados. Inicialmente, o Facebook falou que não seria possível
integrá-los, mas depois integrou. Olhando para essas fusões em uma
perspectiva concorrencial pura, estamos perdendo a história”. alertou.
Riscos
A diretora do Centro de Direito, Internet e Sociedade do Instituto de Direito Público de Brasília, Laura Schertel Mendes, também argumentou pela relevância de adotar uma perspectiva mais ampliada sobre a proteção de dados.
O
consentimento para a obtenção de uma informação, embora fundamental,
seria insuficiente pois define apenas um aspecto da coleta, sem
assegurar a proteção no momento tratamento. Uma pessoa pode ter
autorizado uma coleta, mas sem saber que a aplicação da informação sobre
si poderia prejudicá-la, como em práticas discriminatórias. Por isso, a
docente assinalou a pertinência de tratar os riscos envolvidos em
determinada coleta e tratamento de dados e compreender essas práticas
dentro do seu contexto.
Na
avaliação da professora, essa concepção mais ampliada já estaria
coberta pela legislação brasileira, mas passaria por uma aplicação com
base na interpretação dos princípios da Lei Geral, bem como de outros
diplomas legais. “Pensar privacidade mais contextual e evitar riscos,
seja pelos princípios que a lei me traz, mas também de outras
legislações específicas que podem aparecer quando o legislador se
deparar com riscos específicos”, observou.
Fonte: Empresa Brasil de Comunicação - EBC
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